Talvez nunca mais

Carol Lima
3 min readJan 9, 2024

--

Cena do filme “Ikiru” (1952), dirigido por Akira Kurosawa

Percorrer um shopping não é mais a mesma coisa. Nenhum deles, sejam os que visitei minha vida toda ou os que descobri tempos depois. Sabe aquela empolgação para chegar numa loja específica, aquela euforia sem igual? Fora trocada por um breve sopro de ar fresco. Alguns minutos antes de retornar ao marasmo, à andança sem sentido. Sem rumo. Sem companhia. O livro que tanto queria já está na mão, mas não há com quem compartilhar o júbilo antes de perscrutar as palavras que habitam aquelas páginas. Aquele novo mundo, que será meu amigo até o fim da leitura. Até buscar outras realidades, e, dentro delas, outros seres, sejam orgânicos ou sintéticos.

O ciclo se repete, mas agora alterna entre outras mídias. Vislumbro vidas que em nada se assemelham a minha em filmes, e controlo personagens em situações das mais diversas em jogos. Do cinema dinamarquês aos games japoneses. Um grupo de amigos que resolve fazer um teste para beber uma quantidade específica de álcool todos os dias, de acordo com um estudo; um jovem à beira da morte que acaba sendo possuído e precisa deter um ser misterioso com máscara de Hannya, este que acaba sequestrando sua irmã. Mundos completamente diferentes, que causam sensações diferentes.

Mas o luto permeia ambas as histórias.

E é notória a influência do luto na vida, no tanto que ele muda toda a sua visão de praticamente tudo. Aquelas saídas despretensiosas e alegres com os pais ou com os amigos ganham ares quase fatalistas. “Deveria ter aproveitado mais meu tempo com eles, ao invés de descobrir cedo demais que gostava de ficar sozinha”, é o que vira e mexe vem à mente, num ato inconsciente de autoflagelo. Mas em momento algum — naqueles períodos da vida — passou pela minha cabeça que poderia perder alguém que amo ou que alguma amizade poderia acabar porque alguém mudou totalmente. Existia uma espécie de “roteiro” pronto, que não haveria mudança alguma ali.

Sento-me à mesa para comer um lanche que pedi num restaurante de fast-food e esses grupos se apresentam aos montes, das pessoas com os pais ou com os amigos. Vejo rastros da minha vivência nesses momentos, e sinto a vontade de falar algo para que elas aproveitem isso tudo ao máximo, que não pensem que o futuro está garantido e que nada mudará drasticamente. Ou talvez eu queira dizer isso a uma versão minha do passado, um espectro ainda em vida. Ou talvez ela não precise saber, o que faria com que vivesse num constante estado de paranoia. “Quando exatamente que tudo isso acabará?”, já consigo ouvi-la indagar.

Termino a refeição e já me encontro a postos para ir embora do local. Tenho que pedir carona no aplicativo, o que até hoje não me deixa totalmente confortável. Antes ia embora com meus pais no carro deles, ou com meus amigos em ônibus e/ou metrôs. Agora vou na companhia de alguém que não conheço, por mais bacana que seja. Olho a vida pela janela do carro enquanto seguro a sacola de compras com o livro com o maior cuidado possível. Sinto vontade de ir ao cinema, mas, de novo, seria uma atividade solitária. Desisto, agora esperando o filme chegar a algum streaming meses depois, onde verei sozinha de qualquer forma e sequer terei aquela obra em mídia física.

Cansada, só espero que amanhã seja um dia melhor.

--

--

Carol Lima

Um cérebro conectado a uma rede vasta e infinita que faz uns textos sobre a cultura pop e cria uns contos