Sobre Teias e Telonas — Parte 2: O Espetacular Homem-Aranha (2012–2014)

Carol Lima
8 min readNov 19, 2021

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ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS!

O luto é um processo emocional extremamente complexo. Tem quem o supere em questão de meses ou de um ou dois anos, e também tem quem fique preso nele pelo resto da vida. Tendo isso em mente, em minha opinião, atrelá-lo única e exclusivamente aos clássicos 5 estágios é por demais simplório. Na realidade, como citado no segundo exemplo, a pessoa não necessariamente segue fielmente a ordem ali cravada (é até possível alternar entre alguns deles). Mas uma vez senti como se essa narrativa tão difundida realmente seguisse uma linha reta.

  • Negação: “Não, esse cancelamento do Homem-Aranha 4 não pode ser verdade, pode? Eles não podem fazer isso, a franquia é um sucesso.
  • Raiva: “Ah, pronto! Quer dizer que a bonita [Sony] só tá fazendo esse reboot pra manter os direitos do personagem? Por que não adiou Homem-Aranha 4 pra 2012, então, porr — ?!
  • Barganha: “Então, existe essa petição que eu assinei que pede para a Sony cancelar o reboot e retomar a produção do Homem-Aranha 4.
  • Depressão: “Meu Deus, estava assistindo Homem-Aranha 3 ontem à noite no PSP e comecei a chorar. Aquela sensação estranha de despedida no cinema não foi à toa.
  • Aceitação: “Bom, é assim daqui em diante, não é? Esse é o novo Homem-Aranha dos filmes. É isso.

Um gigantesco exagero da minha parte fazer essa comparação, com toda a certeza (ainda mais com algo tão sério), mas foi a exata sensação que tive durante todo o processo (ainda que a raiva retornasse vez ou outra). Estava genuinamente de coração partido, como se nunca mais fosse ver meu velho amigo (o mesmo vale para a animação de 2008). Cada anúncio relacionado ao reboot era como se alguém estivesse jogando um pote inteiro de sal na ferida, e é claro que acompanhava cada um deles. Trailers, fotos, e até um merchandising ou outro foi consumido, inevitavelmente (o Blu-Ray duplo, que vinha numa case no formato da máscara do herói, e a adaptação para videogame estavam no pacote, claro).

E mesmo assim, ainda estava lá para assistir “O Espetacular Homem-Aranha” (2012) nos cinemas. Não esqueço de quando fui do colégio até o Shopping Via Brasil a pé. Como uma pessoa sedentária, o extenso percurso, do qual não sei a quilometragem exata, foi bem árduo (ainda tinha que subir uma rua, então imagina o ranger dos meus joelhos). Cheguei lá esbaforida e suada, peguei duas escadas rolantes, cheguei ao Cinesystem e falei com a moça da bilheteria que gostaria de comprar dois ingressos para a estreia do filme. Voltei para casa extremamente cansada e fraca, então, a partir daí, não lembro de mais coisa alguma.

Poderia essa ser uma ilustração de como eu aparentava? Talvez.

Chegou o dia 6 de julho. Lá estávamos eu e meu pai na sala de cinema. Ele só esperava um bom filme, enquanto que eu mantinha os braços cruzados e partia àquela jornada com extrema má vontade. Por conta desse sentimento negativo antes da projeção, era um tanto difícil que me permitisse gostar de algo ali, ainda que pudessem haver motivos. Ao término, lembro de perguntar ao meu pai o que ele havia achado, dizendo que tinha sido ok. Agora eu? Esbravejava que parecia que meu melhor amigo havia me esfaqueado pelas costas. Mais um exagero para a conta.

Decerto que não foi meu melhor momento enquanto fã do personagem. Simplesmente não entendia que as pessoas estavam gostando dessa nova versão do Aranha. Essa aura negativa me cegou tanto que até hoje me questiono se realmente assisti de novo à película ainda no cinema, dessa vez com meus amigos (tenho uma vaga lembrança de estar ao lado de um deles enquanto uma criança atrás de nós começava a berrar e chorar sempre que o Lagarto aparecia. Com isso, acabávamos nos olhando e pensando que era para a mãe tirá-la de lá, já que estava com medo).

A Espetacular Coincidência-Aranha: meu celular na época era um Xperia muito semelhante a esse, e, como se não bastasse, os ícones e suas posições estavam idênticos. Ressalto isso porque eram coisas as quais poderíamos configurar, e o default era ter o ícone do YouTube numa das bolhas ali na tela, por exemplo. Claro que contei aos meus pais e amigos sobre isso.

O que faria com que saísse desse poço de amargura seria a minha melhor amiga me contando que gostou do filme e, principalmente, do personagem, e que agora queria saber mais sobre ele. Aquilo me pegou totalmente desprevenida, porque, até então, ela nunca havia demonstrado interesse no Teioso e agora tinha comprado até o Blu-Ray do reboot. A bem da verdade, uma vez ela saiu de uma sala de bate-papo no MSN, onde estávamos conversando com outro amigo nosso, porque comecei a falar do Homem-Aranha. Ela não se lembra disso (deve ter acontecido em 2009 ou 2010, por aí), nem o motivo pelo qual não gostava dele, então esse episódio se tornou uma piada interna que uso para provocá-la.

Dito isso, essa mudança dela, que gerou muito mais assuntos em comum entre nós desde então, me fez reavaliar a existência d’O Espetacular Homem-Aranha, a qual eu tanto desprezava (e também fez com que assistisse novamente à película com uma mente mais aberta). Foi nesse momento que percebi o quão mesquinho e cruel da minha parte que era julgar mentalmente as pessoas que gostavam dessa versão do herói nos cinemas. Além de ser algo completamente estúpido, convenhamos. O Aracnídeo, independente do motivo, sempre teria novas iterações nas mais variadas mídias, e cada pessoa iria se conectar mais com algumas em específico. O Aranha do Andrew Garfield não era para mim, e tudo bem.

Vale ressaltar que nada tenho contra o ator (meu problema era com as decisões do estúdio, na verdade). Inclusive, mesmo no auge do meu desdém, achei seu discurso apaixonado na Comic Con 2011 algo até icônico. Dava para enxergar certa sinceridade nele.

Quando sua sequência, “O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro” (2014), fora anunciada, já estava mais em paz. Tanto até que praticamente o recebi de braços abertos, com uma mentalidade mais positiva, esperando, assim como meu pai fazia, apenas um bom filme. Até mesmo compartilhava os trailers com meus amigos, com comentários acerca do que poderia acontecer. E acabamos indo juntos ao cinema em 1 de maio, na estreia. Todos gostamos, pelo que lembro, e sentimos a morte da Gwen Stacy (inclusive, a cena de seu destino derradeiro me fez tremer de nervosismo, mas não me permiti chorar na frente da galera). Lembro de comprar um McLanche Feliz porque os brindes da época eram relacionados à película, então tive que me contentar com um sanduíche incrivelmente pequeno e algumas poucas batatas só para pegar um bonequinho do Aranha que tinha um botão perto de suas nádegas que o fazia acender os olhos.

Agora vem o evento do qual sinto certa vergonha de falar sobre: acabei tendo a oportunidade de viajar para Nova York nesse mesmo ano, ainda em maio mesmo; era um presente de aniversário de 18 anos, e iria para lá ao lado de uma amiga da minha mãe e seu marido. Não iríamos apenas bater perna por duas semanas, mas também frequentar um curso de inglês com pessoas dos mais diversos países. É um cenário tão insano que até hoje não entendo como tive coragem de embarcar nessa jornada, tendo em mente minha timidez.

A Espetacular Coincidência-Aranha 2: nessa cena, Gwen entra no elevador para chegar ao 63º andar da Oscorp, onde trabalha. Era esse o mesmo andar do Empire State no qual o curso de inglês em que eu estudava se situava. Também contei isso a todos e ainda brinquei, dizendo que havia viajado à NY apenas para ser arremessada de uma ponte, como ocorrera com a contraparte da personagem nas HQs.

Como alguém que só havia visto a cidade através de HQs, filmes, jogos e animações, foi completamente surreal me dar conta de que estava realmente lá. Visitar o Central Park, a Times Square, me deparar com o Flatiron Building (que era o prédio do Clarim Diário na trilogia do Raimi) etc. E o dia no qual chegamos foi o mais descompromissado. Comprei o PS4 junto de alguns poucos jogos, e é claro que a adaptação d’O Espetacular Homem-Aranha 2 estava no meio. Fomos à Midtown Comics, onde fiquei deslumbrada com a quantidade absurda de revistas, livros, action figures, camisetas e muito mais. Era um verdadeiro paraíso que pretendia conferir posteriormente com mais calma. E, claro, tivemos que parar para almoçar. O que foi que escolhi? Exatamente, um McLanche Feliz por conta de mais um bonequinho do Homem-Aranha, enquanto a música It’s On Again, da Alicia Keys com o Kendrick Lamar, que toca nos créditos finais da sequência, estourava nas caixas de som do estabelecimento.

Com todo esse clima Aracnídeo (além do fator óbvio dessa ser a cidade do herói), era um tanto difícil fugir da vontade de querer assistir ao filme de novo. Tinha que seguir o roteiro de viagem montado pelo marido da amiga da minha mãe, mas propus uma brecha. Comprei dois ingressos no cinema AMC perto de onde estávamos, um para ver O Espetacular Homem-Aranha 2 e o outro para conferir “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” na estreia. E iria sozinha em ambas as ocasiões, pela primeira vez na vida. Apesar de estar enxergando mais as falhas da trama e reparando em aspectos que não agradavam, não deixou de ser um dia mágico. Se não me engano, foi a primeira película do Teioso a ser rodada, em sua maioria, em Nova York. Não tinha como esse evento não causar um forte impacto emocional, e é um que guardo com muito carinho.

Um dos momentos mais marcantes da minha vida, e esse filme teve grande presença nele.

Para terminar, comprei mais algumas coisas relacionadas ao personagem, evidentemente. A HQ “The Amazing Spider-Man” (2014) #1, algumas camisetas, duas figuras Marvel Legends baseadas no filme, o Blu-Ray com todas as duas temporadas da animação O Espetacular Homem-Aranha e o CD Duplo da trilha sonora d’O Espetacular 2. Inclusive, esse último foi um dos itens mais usados quando retornei. Eu e meu pai escutávamos ambos os discos no carro quase que direto, e até tínhamos nossas faixas preferidas (ele gostava muito de Song for Zula, do Phosphorescent, enquanto que eu adorava Honest, do The Neighbourhood). E também assistimos ao filme juntos quando peguei o Blu-Ray duplo (mais uma vez, ele achou ok). Como me emociono fácil, sempre acabava com os olhos marejados na morte da Gwen, o que fazia com que ele, na brincadeira, zombasse de mim (outra que olhou para mim nesse exato momento foi minha mãe, quando conferi o longa no cinema pela terceira vez).

Estava realmente adaptada ao mundo com a franquia O Espetacular Homem-Aranha nos cinemas (ainda que não fosse minha favorita), então fiquei intrigada com o que poderia ocorrer num possível terceiro filme. Até que ele foi adiado e, posteriormente, cancelado. Haviam planos para uma película do Sexteto Sinistro, que se passaria nesse universo, mas o projeto foi engavetado. Algo maior estava para acontecer com o personagem, e ele sofreria mais um reboot. Só que, dessa vez, ele não estaria sozinho.

CONTINUA…

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Carol Lima

Um cérebro conectado a uma rede vasta e infinita que faz uns textos sobre a cultura pop e cria uns contos