Death Stranding: A vida é uma maravilhosa perda de tempo

Carol Lima
6 min readOct 13, 2021

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ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS!

Capa de Death Stranding: Director’s Cut, lançado em 24 de setembro de 2021 para o PS5. Jogá-lo foi o grande motivo pelo qual quis redigir um texto sobre minha experiência com a versão base de PS4.

A primeira vez em que saí “sozinha” foi em 2011, já com 15 anos. E digo entre aspas porque era minha primeira saída com amigos, e não, como de costume, com meus pais. Lembro até hoje de chegar ao Cinemark do Carioca Shopping, no segundo andar, ao lado do meu pai. Meus amigos estavam lá. Conversa vai, conversa vem, meu pai decide que já está na hora de voltar pra casa e me deixar lá com o pessoal. Foi estranho, porque fiquei com o braço levemente esticado por alguns segundos a mais quando ele já estava descendo a escada rolante. Era como se estivesse cortando o cordão umbilical.

Desde então, cheguei até mesmo a voltar do colégio ou do curso de inglês a pé ou de ônibus. Foi aí que comecei a tomar certo gosto por ficar sozinha. Era nesse tipo de ocasião na qual pensava sobre a vida (muitas das vezes, ao lado de uma boa música tocando no fone de ouvido), o que acontecia bem mais quando pegava uma condução que desse a maior volta antes de me deixar perto de casa. Mas andar, por mais que me deixasse esbaforida (vale lembrar que sempre fui meio sedentária), era o método que mais me divertia. Pensar onde pisar, prestar atenção no semáforo, ver qual lado da rua fica mais fácil de atravessar… coisas completamente banais nas quais estava prestando mais atenção agora, justamente por estar só.

Pouco tempo depois, comecei a frequentar shoppings e cinemas sozinha. Não deixaria mais um filme de lado porque alguém não queria assistir na telona comigo, e agora poderia visitar lojas e vasculhar as prateleiras de filmes, livros, quadrinhos e jogos no meu tempo. Fiquei completamente apaixonada pela experiência. Meus amigos que me perdoem, mas era como se tivesse cortado o cordão umbilical com eles também.

Olhando assim, dá para entender melhor algo que nunca soube explicar corretamente: não é que a presença de algum parente ou amigo seja algo desagradável (claro que não), mas já passei tanto tempo ao lado de pessoas que precisava de um período sozinha que fosse equivalente (sendo introvertida, era nessa “folga” que recarregava minhas baterias para futuras interações para com os outros).

Suficiente dizer, então, que um jogo como Death Stranding, onde você passa a maior parte do tempo realizando entregas de um canto ao outro do mapa em solidão, era mais do que ideal. Não apenas isso, mas se tratava de uma nova IP de Hideo Kojima, lendário criador da aclamada franquia Metal Gear, essa que mudou a minha visão em relação ao que jogos poderiam ser (Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots foi uma experiência absurda, diferente de tudo o que havia consumido no meio até então; apaixonada, corri atrás dos demais títulos da série e antecipei os lançamentos de Peace Walker, Ground Zeroes e The Phantom Pain). Sabendo disso, era impossível não ficar na expectativa pelo novo bebê (ter a empolgação e a curiosidade alcançarem níveis absurdos a cada novo trailer) de um dos meus diretores favoritos.

Era um lindo dia nublado, aquele 8 de novembro de 2019. Era o lançamento de Death Stranding. Havia comprado a edição especial (em steelbook) na pré-venda, mas o envio só seria realizado muitos dias depois (e de fato chegou bem tarde). Cometi a loucura de comprar o jogo de novo, dessa vez a edição standard, já que estava disponível em lojas físicas na data correta. Ansiei o retorno para casa como nunca antes. Liguei o console e ainda custei a acreditar que estava com o título em mãos. A jornada começava.

Dar meus primeiros passos como Sam Porter Bridges exalou aquela sensação aventurosa de quando voltei para casa sozinha pela primeira vez. Um misto de medo do desconhecido, de certa incapacidade no decorrer da caminhada e de vitória ao chegar ao destino. E isso se repete quando você precisa conectar uma nova instalação à rede quiral da UCA (United Cities of America), a fim de tornar a América completa novamente. Adicione à mistura o fato de que irá falar com pessoas distintas; algumas querem se conectar imediatamente, ao passo que outras não confiam no processo e só aceitam a conexão depois de algumas entregas.

Voltar para casa não era exatamente assim, mas era dessa forma que enxergava.

E, com o tempo, você acaba visitando esses habitantes cada vez mais, seja por pedidos feitos exclusivamente ao Sam ou não. Decora os terrenos que cercam cada estabelecimento, sabe onde se situam MULEs (pessoas viciadas em entregas que podem te atacar e roubar sua carga) e BTs (espíritos que percorrem o mundo dos vivos por meio do Death Stranding) e escolhe exatamente quais equipamentos levar para cada empreitada. Esses moradores, com os quais você só interage por meio de hologramas, se tornam amigos, basicamente. E pouco a pouco você acaba sentindo uma estranha vontade de conversar com eles.

Isso sem falar nos jogadores que encontra pelo caminho. Bem, não diretamente. Além de desenvolver construções muitíssimo benéficas ao longo da jornada, você também se depara com pontes, escadas, quartos privados, placas etc. que foram deixados por outros Sam Porter Bridges. Mas o máximo de interação que você pode ter com essas outras pessoas é ao curtir, reformar, aprimorar e utilizar suas invenções. Ao posicionar uma delas no mundo, você espera que aquilo não tenha ajudado apenas a você, mas muitos outros jogadores que passarão pelas mesmas adversidades.

Um dos preppers, com as feições do apresentador Geoff Keighley, um dos amigos de Hideo Kojima.

Toda essa interação “pela metade” cria um estranho anseio de se conectar mais. E se fosse possível responder os e-mails dos preppers, os residentes? E se fosse possível deixar uma mensagem para outro jogador, sem ser pelo uso de placas pré-definidas (mas com certa restrição, porque tem gente que pode ser rude sem motivo)? E se fosse possível criar conversas com os demais personagens da trama principal? Fiquei um pouco assustada por desejar tais coisas, já que o maior apelo do jogo era justamente percorrer o mundo em total solidão.

Mas nem isso é totalmente verdade. Você tem o BB, a quem você cuida como se fosse seu(sua) filho(a). O medo de despencar de uma altura considerável não se dá apenas por conta da carga que pode sofrer danos, mas também do neném dentro da cápsula, que fica nervoso e começa a chorar; o mesmo ocorre ao ficar muito próximo de uma BT. Não tem como não se preocupar com a criança, ainda que seja referida, inicialmente, como uma mera ferramenta de trabalho (o que cai por terra em pouquíssimo tempo).

Lou! ❤️

Ainda que não haja muito espaço para sutileza, seja nos nomes dos personagens ou dos estabelecimentos (o que não considero um demérito, mas uma escolha consciente/autoral), Death Stranding reforça a ideia de conexão com outros seres humanos (até mesmo fora do jogo, como os diversos famosos amigos de Kojima que dão as caras). Os mortos anseiam por algo que podemos ter a qualquer momento: contato. Mas, claro, existe uma série de motivos pelos quais alguém não iria almejar tal coisa, seja por trauma, medo, fobia etc. O próprio Sam sofre em silêncio pela perda da esposa, que estava grávida, além de que possui afefobia; no decorrer da narrativa, ele acaba se afeiçoando ao grupo de personagens principais, chegando ao ponto de dar um abraço em Deadman, a quem evitava contato a todo custo.

E, bem, não deu para não traçar mais um paralelo em relação ao protagonista e sua rede de amizades. Geralmente sou o lobo solitário, tal qual Sam. Todas as amizades que tive no colégio não surgiram porque me aproximei primeiro, mas porque se aproximaram de mim. E isso ocorreu até mesmo com amigos da internet. Não sei exatamente como abordar as pessoas até hoje, e penso demais no que elas devem achar de algo assim. Fora que também tenho meus traumas, decorrentes de bullying e perda de pessoas amadas, como meu próprio pai, meu tio e minha tia-avó. É um tanto complicado, mas fico feliz demais de existir gente que está ao meu lado até hoje, apesar de não ser alguém fácil de lidar ou compreender.

Tanto as faixas compostas para o game quanto aquelas licenciadas são das melhores que já ouvi em apenas um título.

Keep on keeping on! 👍❤️

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Carol Lima

Um cérebro conectado a uma rede vasta e infinita que faz uns textos sobre a cultura pop e cria uns contos